RSS
YouTube
Facebook
Twitter

Adalberto Floriano Greco Martins (Pardal)

Publicado em 02.05.13   |   Movimentos Sociais

O Contexto da “Reforma Agrária Bloqueada”

 

Ao longo da década de 2.000, ocorreram mudanças importantes na economia brasileira que alteraram a base material sobre a qual desenvolve-se a reforma agrária. O que caracteriza este período é justamente o bloqueio de base econômica gerado pela expansão do agronegócio e pelo crescimento econômico urbano-industrial, dificultando a realização da reforma agrária no país.

a)           O Agronegócio

Um dos novos elementos na década de 2000, que permanecem ainda hoje, é justamente as condições econômicas que permitiram gerar o agronegócio. Vejamos alguns aspectos:

 

1º Aspecto: o agronegócio passa a ter uma função econômica no atual modelo macro-econômico dirigido pelo capital financeiro. Sua função é gerar saldos comerciais externos, fortalecendo o Balanço de Pagamento, garantindo reservas cambiais, elemento determinante para demonstrar segurança para os especuladores estrangeiros;

Esta estratégia não é nova. Ela foi utilizada pelo governo militar, coordenada pelo Ministro Delfim Neto, no início da década de 80, em resposta a recessão econômica 1982/83. Ocorre que agora, ela esta articulada ao próprio movimento do capital financeiro. 

No período Neoliberal, sobretudo no primeiro mandato do Governo FHC, a lógica econômica de privatização do Estado Brasileiro e da Importação generalizada, colocou em crise o setor patronal da agricultura.

O Plano Real, que reduziu a inflação e criou a nova moeda, o Real (R$), tornando-a artificialmente uma moeda valorizada frente ao dólar, o que facilitou as importações, teve como base do seu sucesso dois mecanismos de transferência de renda: o primeiro foi o arrocho salarial (somente agora neste novo ciclo de governos Lula/Dilma, é que os salários voltaram até ganhos reais e o seu poder de compra a se aproximar do nível que era em 1994). O Segundo foi justamente a transferência de renda da agricultura para o setor urbano industrial/financeiro. Com isto a taxa de lucro na agricultura foi reduzida, gerando o conhecido ciclo do endividamento do setor patronal na agricultura. Com a queda da taxa de lucros na agricultura,  os preços das terras também reduziram. E foi justamente neste período que o MST avançou nas conquistas de terras. Ou melhor, o latifúndio combalido foi disputado pelas famílias Sem Terra através de sua organização, o MST, obtendo conquistas.

Ocorre que este contexto foi alterado, já no segundo mandato do Governo FHC, visto a crise econômica que se abatia na Ásia, tornando o  Brasil a bola da vez. Bastante vulnerável, a economia Brasileira, teve de ser alterada para manter o ciclo de acumulação através do capital financeiro. A mudança veio em 1999, já no inicio do seu segundo mandato, onde o Governo FHC obrigou-se a desvalorizar o Real (R$) frente ao dólar, criando melhores condições para as exportações brasileiras. Era, na própria expressão de Fernando Henrique, “exportar ou morrer”. Ao mesmo tempo, o governo recorreu aos empréstimos do FMI, para recompor as reservas cambiais que naquele momento reduzia-se a US$ 10 bilhões. Tudo isto para manter sinalizações positivas para que o capital financeiro entrasse no Brasil, sobretudo na sua forma especulativa.

Este esforço exportador da economia brasileira encontrou um cenário internacional de altas sucessivas dos preços das commodities.  A ampliação de consumo na China, na Índia e da classe média norte-americana, puxou a economia no planeta, gerando expectativas de crescimento futuro da economia mundial, lastreando a imensa especulação dos títulos das principais commodities mundiais (petróleo, minério de ferro, soja), refletindo no aumento dos seus preços.

Este novo ambiente econômico no Brasil e no mundo, favoreceram as exportações brasileiras, sobretudo aquela ligadas à produção primária. 

Constituiu-se assim uma função econômica ao latifúndio que havia perdido importância nos anos 90. Sua função foi e esta sendo de gerar saldos comerciais expressivos em moeda estrangeira, buscando ampliar o balanço de pagamento de nossa economia, sobretudo contribuindo para a composição das reservas cambiais, essencial para o especulador internacional (a elevação das reservas cambiais representa ao especulador segurança a sua aplicação, pois  indica que o pais terá dinheiro em moeda estrangeira para a retirada dos seus investimentos e lucros. Chegamos em Janeiro de 2012, com uma reserva cambial de US$ 355 bilhões).

 

2º Aspecto: o agronegócio é a expressão de uma nova aliança de classes no campo, envolvendo a empresa rural capitalista, as transnacionais e o latifúndio improdutivo, amparado pelas políticas governamentais;

Foi justamente sob esta nova condição econômico  que forjou-se uma nova alianças de classes no campo, denonimada de agronegócio. Portanto, o agronegócio no Brasil não é uma tradução do termo agribussines, mas sim expressão de uma nova articulação política que passou a atuar no campo brasileiro, muito mais forte e robusta daquela que enfrentávamos na década de 80 e 90.

Esta aliança esta composta pela empresa rural capitalista, as transnacionais e o latifúndio improdutivo, amparadas pelas políticas públicas do governo federal, sobretudo as políticas cambial, de exportação e de crédito.

Iremos ver na década de 2.000 a extraordinária expansão do agronegócio, redesenhando a agropecuária brasileira, num ritmo e numa profundidade nunca vista em nossa história econômica. Isto só foi possível visto a presença do capital financeiro turbinando as empresas transnacionais e em boa medida também apoiada com recursos   do BNDES.

 3º Aspectoo agronegócio blinda a grande fazenda improdutiva das ações dos “sem terra”, protegendo-a para tornarem-se áreas de futuras expansões dos seus negócios;

Esta aliança de novo tipo, protege o latifúndio improdutivo para estes tornarem-se áreas de futuras inversões de capitais, para expansão sobretudo da soja, cana-de-açúcar, eucaliptos e pinus para produção de celulose, pastagens, entre outros.

Assim, o agronegócio passou a disputar e proteger o latifúndio improdutivo das ações do MST e dos demais movimentos de luta pela terra. Agora há uma reação enquanto classe social e não mais como uma fração da burguesia ou de alguns latifundiários, como ocorria nos anos 80 e 90.

 4º Aspecto: o agronegócio tornou-se a referência de desenvolvimento no campo brasileiro;

Com esta unidade política e com a ação dos meios de comunicação de massas, o agronegócio passou a ser para a sociedade brasileira o modelo de desenvolvimento para a agropecuária do país. Ganhou a batalha ideológica e segue iludindo a sociedade brasileira dos seus méritos e dos seus êxitos.

 5º Aspecto: o agronegócio também avança sobre os assentamentos, seja na forma de arrendamento das terras, seja na forma da integração econômica, ou seja via a introdução do seu modelo técnico-produtivo nos assentamentos;

Esta força social também cercou os assentamentos, indo para dentro deles. Na década de 2000, o fenômeno dos arrendamentos estoura no interior dos assentamentos, agravando a situação social das famílias. Arrenda-se sobretudo para soja, cana, pastagem, madeira para celulose. A ação das empresas transnacionais avançam nos assentamentos com as formas clássicas de integrações, destacando-se o fumo e o bicho da seda.

Com a expansão da cana-de-açúcar no sudeste do país, a pecuária leiteira é empurrada para a região sul, onde a disputada econômico se tornou encarniçada, acompanhada por forte processo de concentração das empresas deste ramos, através de fusões e ou alianças estratégicas.

Enfim, estes cinco aspectos ilustram o novo ambiente político e econômico sob o qual desenvolvemos a luta de classes no campo, onde o agronegócio em seu desenvolvimento disputa as terras improdutivas e os nossos assentamentos.

 b)          Crescimento Econômico

O crescimento econômico atual cria uma alternativa à família sem terra e assentada. Esta alternativa é o trabalho urbano, sobretudo na área de serviços e na construção civil.

Em sua história, o MST, nunca desenvolveu a luta pela terra em contextos de crescimento econômico, mas ao contrário. Nas décadas de 80 e 90, a economia brasileira esteve sempre em crise econômica, onde as famílias dos agricultores sem terra não encontravam com tanta facilidade oportunidades de trabalho no setor urbano, tornando-se o acampamento, quase que a única possibilidade da sua reprodução social.

Este crescimento de natureza urbano-indústrial  atraí a família sem terra e os assentados(as). Isto afeta o processo de massificação da luta pela terra, gerando um ciclo distinto e desconhecido pelo MST. Na região centro sul do país a redução drástica de famílias acampadas por tempo tão longo é uma novidade.

Não podemos desconsiderar este ciclo de desenvolvimento econômico. Os Governos Lula e Dilma, modificaram um aspecto do modelo neo-liberal do governo FHC e foi justamente o fortalecimento do Estado na economia.

Sobretudo a partir do segundo mandato do Governo Lula, através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que articulou os investimentos das empresas estatais, do BNDES, e dos recursos do orçamento geral da União, a economia brasileira cresceu, gerando PIB`s na ordem de R$ 4 trilhões, passando a ser a sexta economia do mundo.

O PAC I (2007 à 2010), injetou na economia brasileira nada menos do que R$ 619 bilhões e para o PAC II (2011 à 2014), estão previstos investimentos na ordem de R$ 958,9 bihões. Estes investimentos, sobretudo na infra-estrutura do país fizeram toda a diferença, dirigindo inclusive a aplicação dos investimentos privados, gerando este ciclo de crescimento econômico.

Associado a este crescimento econômico, o desemprego caiu para 6% (em 2003 era de 12,4%), o rendimento médio do salário do trabalhador brasileiro chegou a R$ 1.625,00 e o poder de compra do salário cresceu 22% (desde 2003). Entre o período de 1996 à 2003, o poder de compra do salário foi reduziu em 17%. Estes são alguns dos elementos que explicam a adesão acrítica da classe trabalhadora e das camadas populares aos governos Lula e Dilma.

Ao lado deste crescimento econômico, gerando uma melhora nas condições de vida da classe trabalhadora e das camadas populares, que através do emprego, do aumento do salário mínimo e da expansão do crédito ampliaram o seu consumo, convive como parte deste próprio processo de desenvolvimento econômico, uma imensa concentração de riqueza e renda nas mãos da classe dominante (45% de toda renda e riqueza no Brasil, estão apropriadas por apenas 5 mil famílias. Somos no Brasil, 60 milhões de famílias). Como também não podemos esquecer que a transferência de riqueza produzida pelos trabalhadores continua intensa para o capital financeiro. Em média 45% do Orçamento Geral da União é destinado ao pagamento da divida interna. Só de juros isto representou em 2011 nada menos do que R$ 213 bilhões, gerando lucros elevadíssimos dos agentes financeiros. Somente os lucros dos 5 maiores bancos no Brasil, representaram em 2011,  R$ 51 bilhões. Esta é a face neoliberal deste modelo econômico, chamado por alguns estudiosos de “neo-desenvolvimentista”.

Outro elemento a ser agregado nesta análise da dificuldade de massificação da luta pela terra refere-se ao “melhorismo social” desenvolvido por estes Governos (Lula e Dilma). Atualmente estão cadastradas no CadÚnico 22 milhões de famílias, destas, 13,4 milhões recebem a Bolsa Família, implicando no repasse de R$ 6,3 bilhões em 2012.

Quanto às famílias assentadas, percebe-se que esta alternativa de trabalho externo, sobretudo urbano, ganha relevância na sua estratégia de sobrevivência. Foi intenso na década de 2000 a presença de assentados ou filhos de assentados no trabalho externo ao assentamento.

Uma das razões refere-se a diferença de renda. Nos ciclos de crescimento urbano industrial, a renda urbana é superior a renda agrícola, basta olharmos os rendimentos dos trabalhadores nas regiões metropolitanas e os não metropolitanas. A diferença de rendimento em 2009 era de 50% superior em  favor dos trabalhadores que viviam nas regiões metropolitanas.

Estas são algumas das razões, próprias das mudanças de nossa economia, que dificultam a massificação dos acampamentos no centro sul do país.

Evidentemente que este modelo de crescimento trazem efeitos negativos a nossa economia:  reprimarização da economia  (exportação de produtos primários); a desindustrialização da economia brasileira; e a alta vulnerabilidade externa.

Estes são aspectos que estão gerando contradições neste modelo, limitando e esgotando os alcances deste ciclo, colocando condições para novas crises. Ninguém hoje sabe afirmar quando ela virá, mas pela natureza destas contradições dificilmente escaparemos dela. Portanto, este ciclo de crescimento urbano-industrial tem data de validade. O que virá no seu lugar somente a luta de classes poderá indicar.

 

c)           Implicações do Modelo Agrícola do Agronegócio

 

O modelo agrícola dominante apresenta três características básicas: ele tem por base a grande fazenda monocultura; a exportação de commodities; e um modelo técnico produtivo centrado no químico,  mecânico e genético, acrescido de outros dois elementos na década de 2000 que foi a biotecnologia e a informática.

Este modelo apresenta as seguintes implicações:

 

  1. 1.    É um Modelo Concentrador
    1. De Terra: na década 2.000 ampliou a concentração da terra no Brasil e na região sul. Além de ter ampliado o controle da terra por estrangeiros no Brasil.

 

  1. Da Produção:
    1.                                   i.    Em área plantada: 77% da área plantada em lavouras temporárias é de soja, milho e cana (50 milhões hectares);
    2.                                 ii.    Em produção de lavouras temporárias: 87% da produção obtida é de cana e soja.
    3.                                iii.    Valor da Produção Agrícola: cana, soja e milho correspondiam em 2010, a 64% do valor da produção agrícola brasileira.

 

2. É um Modelo Altamente Dependente de Políticas Públicas e do Mercado Internacional

a) Política Pública: o Valor Bruto da Produção em 2011, das 20 maiores culturas representou R$ 205,9 bilhões. Para gerar isto, o agronegócio necessitou de um volume de crédito agrícola de      R$ 120 bilhões. Logo, a cada R$ 1,00 gerado por este modelo, ele precisa de R$ 0,58 de crédito. Associado a isto, políticas de estimulo a exportação, como foi o caso da isenção do ICMS para os produtos exportados, como a política cambial que mantém a moeda desvalorizada para facilitar as exportações são expressões das políticas públicas que favorecem este modelo que sem elas teria profunda dificuldade para se manter.

b) Mercado Internacional: em 2011 as exportações do agronegócio chegaram a US$ 94,5 bilhões (R$ 165bi) e sobretudo o setor de grãos esta controlada por 4 empresas transnacionais que controlam o mercado mundial, como a Bunge, Cargill, ADM e Dreyfus. Em boa medida, todo os esforço produtivo acaba ficando nas mãos de algumas empresas transnacionais, que lucram enormemente controlando as exportações. Notem que no Brasil, em 2010, a receita líquida das 50 maiores empresas do agronegócio foram de  R$ 189,5 bilhões, algo próximo do que foi exportado em 2011, o que sugere, além de uma alta concentração das receitas em poucas empresas, que boa parte das receitas das maiores empresas do agronegocio estão profundamente vinculadas ao mercado internacional.

 

 3.    Modelo Tecnológico Insustentável

 a.    Agrotóxico:

    1.                                   i.    O mercado brasileiro em 2010, representou  US$ 7,1 bilhões, significando um consumo de 850 mil toneladas de veneno (próximo de 1 bilhão de litros). Nada menos do que uma dose anual percapita de 5 litros/habitantes. Este mercado é controlado pela Syngenta (14% do mercado) e Monsanto (11%);
    2.                                 ii.    O Glifossato foi o  principal produto comercializado. Em 2000, antes da soja transgênica, comercializou-se no Brasil, 39,5 mil toneladas de glifossato. Já em 2009, as vendas cresceram para R$ 299,9 mil toneladas.

 b.    Fertilizantes:

  1.                                   i.    Foram comercializados em 2010, 24,5 milhões toneladas, destes, 15 milhões de toneladas foram importadas[1]. O nitrogênio 75% dele é obtido por importação. Já o potássio 32% dele é importado e o  fósforo 51%, demonstrando a imensa dependência do mercado internacional para garantir a fertilidade dos sistemas produtivos do modelo atual.

 

Enfim, o modelo agrícola, desenvolvido pelo capital financeiro, expressão da hegemonia do agronegócio sob o campo brasileiro, revela-se repleto de contradições que no momento atual, visto a vinculação dos meios de comunicação de massa a este modelo, torna-se despercebido pela população brasileira, exceto nos momentos da altas dos preços dos produtos agrícolas, como atualmente vivenciado. Alias, o “tomate”, eleito pela mídia como o grande vilão da pressão inflacionária no mês de março de 2013, foi o bode expiatório para que o capital financeiro consegui-se elevar a taxa de juros no Brasil.

Ocorre que estas contradições são tão profundas e insustentáveis que torna-se-ão, em breve, explicitas para que a sociedade desperte das ideológicas virtudes do agronegócio e retome seu apoio a reforma agrária e a outro modelo de desenvolvimento do campo brasileiro.

 

 

Porto Alegre, Abril de 2013.

 

 

Adalberto Floriano Greco Martins

Membro da Direção Estadual do MST - RS

 

 

[1] O agronegócio nas suas contas sobre o seu saldo da balança comercial não considera as importações de insumos e máquinas agrícolas, computando apenas a importação de alimentos.

Observação: Todos os textos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores.
Sindicatos filiados
Redes sociais e Feed
RSS
YouTube
Facebook
Twitter
Abrir
Rua Voluntários da Pátria, 595, 10° andar, sala 1007, Centro - Porto Alegre - RS
Fone/whats: 51 99716 3902
ftmrs@ftmrs.org.br
Horário: 8h30 às 12h e das 13h às 17h30    

Mapa de localização
© Copyright 2024 Federação dos Trabalhadores Metalúrgicos RS     |     Desenvolvido por Desize