Terceirização: o jogo de palavras e direitos


* Daniel Souza de Nonohay - Presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região (AMATRA IV)


A retórica é entendida como o uso persuasivo da razão, entre outros significados. Qualquer um que trabalha com o direito está acostumado com ela; é, por assim dizer, uma ferramenta de trabalho.

Nos últimos dias, tive aulas de retórica ao acompanhar as manifestações dos defensores da aprovação do projeto de lei que trata sobre a “terceirização” e que tramita na Câmara dos Deputados sob o n° 4.330/04.

Resumindo: dizem que o projeto busca proteger o trabalhador terceirizado, pois inexiste regulamentação legal para a forma como ele presta os seus serviços. Vão além. A terceirização seria uma prática generalizada, sendo, assim, urgente a sua regulamentação, sob pena de maiores prejuízos aos trabalhadores.

Pois bem, vou começar pelo óbvio.

O trabalhador dito “terceirizado” é protegido pela legislação existente, em especial pela Constituição Federal e pela CLT.

Se este trabalhador prestar o seu serviço em atividade-fim da empresa, é seu empregado. A ele são assegurados os mesmos direitos (genericamente falando) dos demais empregados que para ela trabalham. Simples assim.

Apenas se prestar serviço em atividade-meio (limpeza, etc.), e se não tiver ocorrido subordinação direta à empresa e outras filigranas técnicas, admite-se uma exceção. Mesmo nela, se a chamada empresa prestadora não pagar os créditos trabalhistas, a empresa que se beneficiou com a mão de obra responde por eles.

Por que, então, há tanto alarde, urgência e discussão em torno da regulamentação dos trabalhadores terceirizados?

Para responder, é preciso refletir sobre o que é a terceirização (que chamarei de ordinária) e o porquê as empresas, cada vez mais, dela se utilizam.

Na terceirização ordinária, a empresa (tomadora) ao invés de contratar diretamente o empregado, contrata uma empresa (prestadora) para que esta admita o empregado.

A empresa tomadora faz isso para reduzir seu custo e, portanto, paga à empresa prestadora uma quantia menor do que aquela que pagaria diretamente ao trabalhador caso o admitisse. Partindo deste valor já defasado, a empresa prestadora retira o seu lucro. O que sobra, é destinado ao trabalhador terceirizado.

O principal objetivo da terceirização ordinária é, dessarte, desonerar a folha de pagamento da empresa tomadora e aumentar o seu lucro.
Entendido isso, é fácil concluir que a proteção que se busca com o projeto de lei não é a do trabalhador, mas sim a do empresário que se utiliza da terceirização.

Este empresário deseja que a terceirização, inclusive em atividade-fim, passe a ser legalmente admitida e disciplinada. Com isso, poderá fugir ao reconhecimento do vínculo de emprego e ou da responsabilidade pelos créditos trabalhistas do trabalhador que lhe prestava serviços, o que hoje não consegue fazer.

Os defensores da terceirização utilizam sua existência e generalização como justificativa para a necessidade de regulamentá-la. Isto, exagerando, é como justificar a regulamentação da atividade de furto pela sua disseminação.

Aprovado o projeto de lei, o próprio conceito básico de relação de emprego perderá o sentido. Teremos um trabalhador que presta serviços de forma pessoal, habitual, remunerada e subordinada exclusivamente para uma empresa e não é empregado desta, mas sim de outra, que muitas vezes sequer conhece.

A Constituição Federal tem uma diretriz clara. Os direitos sociais devem evoluir e, nunca, retroagir. A terceirização ordinária nada mais é do que rota de fuga para a legislação que atualmente protege os empregados.
Na terceirização, seus defensores jogam com as palavras, mas o que apostam é o direito dos outros.

*Artigo publicado no jornal Correio do Povo

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