Presença das forças armadas junto aos Bolsonaro faz mal à instituição


Há um ano e 19 dias, o general e já vice-presidente Hamilton Mourãofazia um comentário muito significativo em dois pontos: “Se o governo falhar, a conta irá para as Forças Armadas”. Aí estava implícito o reconhecimento da índole militarizante, um retorno sem armas ostensivas, sob o rótulo de governo Bolsonaro, o Cavalão de Troia. E ali estava explicitado, no destinatário da possível conta, quem teria a responsabilidade, de fato, pelo que seria o novo governo.

Justifica-se então a pergunta: o que mais, e mais grave, ainda precisará ocorrer para que os representantes das Forças Armadas no governo as desvinculem, afinal, da responsabilidade pela catástrofe moral e governamental que arrasa este país?

A presença desses representantes junto aos Bolsonaro, sua trupe e suas relações cavernosas faz mal às Forças Armadas como instituição, deforma-as outra vez e as desmoraliza. E faz mal ao país com a aceitação e o apoio, aparentes faces de concordância, aos desvarios, ligações milicianas, mentiras, fraudes, traições, incidentes internacionais, destruição de recursos nacionais, incentivos à violência generalizada, medidas antissociais, crimes de responsabilidade e crimes contra a humanidade pelos quais Bolsonaro deveria responder. De preferência com algemas, porque é perigoso.

Os militares precisam fazer um exame honesto e profundo de sua relação com o país. Sem isso, sua caracterização militar será sempre um rascunho e sua autoimagem sempre ilusória.

Por décadas, foi este o bordão dos militares em sua claudicante responsabilidade institucional: “Os militares estão unidos e coesos, e alheios à política”. Mas estiveram sempre divididos. Por motivos políticos. O bordão no pós-ditadura, hoje em dia muito repetido, diz que “os militares têm disciplina e hierarquia”, uma comparação desqualificante do mundo civil. Quanto aos civis brasileiros, nada a retocar. Mas, historicamente, nenhum outro segmento feriu tanto a disciplina, e com tamanha gravidade, quanto os militares.

Com escassos e pequenos intervalos, desde a articulação para derrubar a monarquia sucederam-se as conspirações, tentativas de golpe, os golpes consumados, duas ditaduras, sem que a presença civil lhes mudasse a natureza, de imposição pelas armas. Não é uma história paralela. É a própria, a verdadeira, com seu roteiro de hostilidades, esperanças e frustrações, sobre o chão infértil para o civismo.

O mesmo general e vice Hamilton Mourão foi o primeiro (e único, quando escrevo) dos militares do governo a expor um comentário sobre as acusações (iniciais) de Sergio Moro a Bolsonaro: “Perder Moro não é bom, mas vida que segue”. Segue para onde?

Jânio de Freitas é colunista da Folha de São Paulo

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